Imagem: Instituto Forense da Unesp, arquivo pessoal.
Onde estão nossos mortos ? (Por Fábio Mariano)
Muitos dos leitores conhecem a tragédia Antígona que compõe a terceira parte da trilogia de Tebas de Sófocles e que marca o confronto entre Antígona e Creonte. Antígona, a irmã, invoca o direito de enterrar Polinice – o irmão, morto em batalha, enquanto Creonte, o Rei, contrariando a um direito natural edita uma lei que proíbe a inumação, por considerar que o morto havia desonrado a cidade de Tebas.
Da leitura de toda tragédia que renderia muitas e muitas interpretações, resta claro que não se trata somente de uma disputa familiar, nem da discussão a respeito da interposição de um direito positivo sobre um direito natural, é tudo isso aliada a uma questão que sempre me parece fundamental de discutir – a dignidade do corpo morto.
Citei inicialmente a famosa peça, mas quero me ater a última questão levantada no parágrafo anterior e lembrar do um ato que ocorreu no dia 18 de setembro no Tucarena, a partir do relatório da Comissão da Verdade da PUC-SP e que pode ser acessado pelo link: Comissão da Verdade .
O Comissão realizou um minucioso trabalho de recuperação histórica e da participação da Universidade acerca dos fatos ocorridos que culminaram na invasão da Instituição pelas tropas do coronel Erasmo Dias. Trazer à memória aqueles tempos sombrios fez com que o auditório lotado pela comunidade acadêmica e externa pudessem perceber a grandeza em se lutar por um país que deve valorizar o regime democrático que se instalou a partir de 1988.
As falas emocionadas durante o evento davam conta de rememorar também a trajetória de 5 estudantes da Universidade que durante o evento foram justamente diplomados. Digo justamente, porque foram impedidos à época pelas leis impostas pela ditadura civil militar de 1964 de se expressarem livremente, de estudarem, de conviverem com seus familiares e assim por diante.
Me foi relatado pelo irmão de um dos homenageados que o momento mais duro foi o reconhecimento da morte pelo Estado quando houve a emissão do atestado de óbito. Um misto de tristeza, mas enfim o direito da família e amigos de encerrarem o luto de tantos e tantos anos.
Outra fala durante a cerimônia bastante emocionante relembrava, assim como Antígona, sobre a responsabilidade do Estado em não permitir que se enterrasse seus mortos, já que desapareceram e nunca mais foram localizados. Primeiro a angústia da família por um possível retorno, depois a desolação por não localizar, velar e enterrar seu ente querido.
A cada fala, em cada relato ouvido, meu coração apertava. Seguir sem ter honrado seus mortos é uma batalha de várias famílias que foram impedidas de cumprir os ritos mortuários. Saber que seus entes não tiveram a sua sepultura causa um desconforto social. Como disseram no evento:
“Lembrar é resistir “
As regras de direito atualmente estabelecem que em vida todos tem o direito ao sepultamento – o jus sepulchri e, após a morte, a permanecer sepultado. Como Antígona, vamos enterrar nossos mortos !
Imagem: Bete Andrade, ACI PUC-SP.
Dar voz aos nossos mortos, como fez a Comissão.
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Isso mesmo. Foi uma excelente iniciativa da PUC-SP
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